Denis RenóA narrativa transmídia está na moda, mas há cinco anos já “circula” em produtos de entretenimento, no cinema e em novelas. Na área de jornalismo, no entanto, é considerada uma tendência e ainda não é aplicada com efeito, na prática. A afirmação é de Denis Porto Renó, co-autor do livro Jornalismo Transmídia: métodos e ferramentas e professor na Universidad Del Rosário em Bogotá, em sua pré-conferência durante o Congresso Internacional Jornalismo e Dispositivos Móveis realizado pela Universidade da Beira Interior.Recorrendo a Stephen Levinson, Renó destacou que, a partir dos meios que todos nós temos agora (telemóveis, tablets, smartphones), potencializados pela internet, tornamo-nos consumidores midiáticos que produzem conteúdo ou, como bem definiu Décio Pignatari em 1968, produssumidores. Estamos na era New New Media, proposta por Levinson (2012). “Este consumidor seria o New New Citizen”, disse Renó. “Não se trata mais de receptor, mas de um novo novo ex-receptor”.  Segundo o autor, “assassinaram” o receptor ao destruir o clássico conceito da comunicação baseado em ‘emissor+ mensagem+receptor’. “Esta estrutura comunicacional já não mais existe”,  afirmou Renó explicando que as ideias de Marshall MacLuhan foram transmitidas para outras pessoas, mas a base desta ideia desapareceu neste contexto hipertextual, hipermidia e, sobretudo, transmídia.

Ecologia dos meios – Renó enfatizou que o jornalismo faz parte de uma ecologia dos meios – ou media ecology -, conceito criado por um grupo de investigadores de Nova York e Toronto, do qual Marshal MacLuhan (autor de Os Meios de Comunicação como Extensões do homem) e Neil Postman (autor de Tecnopólio: a Rendição da Cultura à Tecnologia) faziam parte. “Os teóricos do Media Ecology acreditavam que a sociedade vivia em uma ecologia midiática e os estudos da ecologia dos meios seguiam àquela estrutura tradicional. Embora esta tenha desaparecido, o grupo existe até hoje com a Media Ecology Association”, informou Renó.

Mas o que teria transformado essa “ordem estabelecida” e vigente por tanto tempo no campo das Teorias da Comunicação? A web 2.0, garante Renó. Isso porque a web 2.0, mais interativa, transforma a ecologia dos meios ao modificar a relação entre os seres humanos e os conteúdos. “Estamos inseridos numa sociedade que criou sua própria linguagem, complexa e participativa. Daí a necessidade a aplicar a narrativa transmídia – já bastante presente na publicidade, no cinema e na comunicação organizacional – no jornalismo”, argumentou o autor de Jornalismo Transmídia, obra resultante de uma investigação aplicada entre teoria e prática.

Hipertexto, hipermídia, intertextualidade – Para esclarecer o conceito transmídia, Renó relembrou, em sua palestra, outros conceitos: hipertexto, hipermídia, intertextualidade. “Hipertexto é um conjunto de caminhos que possibilitam uma navegabilidade. Uma gama de nós neurais. Uma estrutura de leitura horizontal. Textos entrelaçados em um labirinto de possibilidades. Uma construção textual com leitura expandida”, disse ele. Já a hipermídia simplesmente extende a noção de texto hipertextual ao incluir informação visual e sonora, assim como a animação e outras formas de informação sonora, explicou o autor recorrendo à definição de Landow. A intertextualidade, por sua vez, é o dialogismo que pode ser compreendido como a interação entre distintos textos em um único espaço narrativo. Interação esta compreendida como uma recontrução, nas palavras de Bakhtin, em 1986, e agora relembrada pelo professor Renó. “O filme Kill Bill é um exemplo de intertextualidade, componente da narrativa transmídia”, exemplificou.

Narrativa transmídia – A narrativa transmídia é, segundo Renó, uma linguagem que tem como característica uma estrutura narrativa que traz uma história compartilhada em fragmentos, utilizando múltiplas plataformas. “Mais que isso, é um conteúdo expandido, que circula pelas redes sociais, sofre um processo viral e conta com uma produção também para dispositivos móveis. “Transmídia envolve conteúdos distintos que circulam em vários meios e são conectados, mas não é cross-media”, alertou. “É a notícia contada a partir de diversas histórias (independentes), em distintos meios (e linguagens), que, em conjunto, oferecem uma nova história passível de comentários e circulação por redes sociais e em dispositivos móveis”, esclareceu. “A narrativa transmídia amplia a informação.”

Sistema transmídia – Denis Renó propõe, inclusive, um sistema para o jornalismo transmídia, uma espécie de roteiro. Em primeiro lugar é preciso definir o texto principal, o que vai chamar mais atenção e preferencialmente este precisa ser textual.

Desafio – Para Denis Renó, o novo desafio é criar uma linguagem de interface e de processos interativos para o jornalismo em dispositivos táteis. Ele defende, ainda, a capacitação de jornalistas para esta prática, especialmente a “velha guarda”. “As pessoas não estão fazendo jornalismo transmídia ainda, mas não sei dizer quais são as razões para que as redações não apliquem o jornalismo transmídia. Afinal o jornalismo transmídia é perfeito para a realidade atual, onde smartphones e redes sociais estão disponíveis.”

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O Media Ecology Association (MEA) é uma organização não lucrativa dedicada ao estudo, pesquisa, crítica e aplicação da ecologia dos meios aplicada aos contextos da educação, indústria, política, cultura e arte. O MEA visa promover a troca aberta de ideias, informação e pesquisa entre os membros da associação e a comunidade.