Uma das críticas de Sylvia Moretzsohn à concepção de jornalismo cidadão de Gillmor é a inversão do processo filtragem-publicação, a qual abriria portas à publicação dos maiores disparates, sem a assistência de qualquer critério deontológico. Sobre este ponto, extremamente importante, é pertinente acrescentar algumas ideias.

O jornalismo é orientado por um documento feito por jornalistas para jornalistas, o Código Deontológico. Dizer isto é implicar que os póprios profissionais tomaram a liberdade de se auto-moderar, controlar e orientar. Colocar em evidência este aspecto serve para desqualificar imediatamente o jornalismo cidadão em relação ao tradicional; é que um cidadão comum até podia fazer (e nunca faz) mímica perfeita e rigorosa dos processos de produção da notícia – recolha, verificação, filtragem, hierarquização da informação, redacção, edição e publicação – mas continuaria a fazê-lo sem orientação ética. Isto não significa que aquilo que publica o cidadão comum não tenha ética, mas sim que não tem de ser orientado para o bem comum, para a transparência política e para relato isento, rigoroso e proporcional da realidade social. O cidadão comum não tem “amarras” atadas de livre vontade como tem o jornalista, e por isso mesmo, lamento mas nunca será jornalista.

Em segundo lugar, e esta ideia decorre necessariamente da anterior, é preciso notar que o jornalista profissional perde legitimidade para repudiar o jornalista cidadão (pelo menos na concepção de Gillmor, em que é praticamente substituido por este último), justamente se se demitir de praticar um jornalismo subordinado à ética. Quando aparecem fotografias tiradas à socapa sem autorização dos fotografados nas revistas, isso não é jornalismo; quando se faz jornalismo de cabine sem confirmação de informação ou contacto com fontes ou presença no terreno, isso é mau jornalismo; e quando não se publica aquilo que é relevante para a sociedade, mas sim aquilo que satisfaz a curiosidade do público, isso não é jornalismo sério.

Em suma, parece legítimo dizer que o jornalismo não só é epistemologicamente específico, mas mais que isso, é eticamente justificado e orientado. E, ou o é de facto e cada vez mais, ou é substituído pelo jornalismo de todos para todos, onde, note-se bem, é cada um por si.